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ARTE E CULTURA

05/12/2024

Entre o som e o silêncio: A luta histórica pela preservação e reconhecimento do Maracatu

Acervo pessoal/Christiano Freitas

Recentemente, o Maracatu conquistou uma vitória histórica: o Governo Federal sancionou o Dia Nacional do Maracatu, uma data que celebra a força e a tradição dessa manifestação cultural pernambucana. Nascido no século XVIII, o Maracatu é não apenas um símbolo do carnaval de Pernambuco, mas também um grito de resistência e identidade, exercendo também uma influência muito forte e proeminente para a expressão musical pernambucana, como se observa no histórico movimento Manguebeat, desenvolvido por Chico Science em Recife e nas bandas, Mestre Ambrósio e Nação Zumbi, por exemplo. A transformação do Maracatu, ao longo do tempo, resultou em duas formas principais: o Maracatu de Baque Virado, mais ligado à tradição do candomblé e ao cortejo real, e o Maracatu de Baque Solto, que ganhou destaque como uma expressão de resistência afroindígena e de trabalhadores rurais.

Maracatu de Baque Solto

O Maracatu de Baque Solto tem uma história marcada pela resistência dos povos indígenas, africanos e trabalhadores rurais da Zona da Mata de Pernambuco. Essa vertente é especialmente associada à luta e preservação da identidade cultural diante dos processos históricos de marginalização e opressão.

Em entrevista à Timez, Christiano Freitas, que é caboclo de lança do grupo Pavão Dourado de Tracunhaém, explicou que essa vertente do Maracatu significa um eco de vozes que lutaram para manter suas tradições e identidades vivas, ao longo dos séculos. “O Maracatu de Baque Solto é a própria resistência da cultura popular”, afirmou Freitas.
A origem do Maracatu de Baque Solto está diretamente ligada à fusão de influências afroindígenas e camponesas, trazendo consigo uma forte conexão com as raízes do Nordeste e com a resistência dos povos originários e negros frente à colonização e escravização.

Entre as principais características que fundamentam essa manifestação cultural, estão: a figura simbólica do caboclo de lança - personagem fundamental, folclórico e místico dentro dessa tradição, tendo a sua lança representando proteção física e espiritual -, e, como explica o site Câmara dos Deputados, nas apresentações, o instrumental da brincadeira é comandado pelo mestre que entoa loas, sambas e galope acompanhados do terno (orquestras de sopro e percussão).

Este ano, o Maracatu de Baque Solto também celebrou uma importante conquista. No dia 21 de março, foi instituído o Dia Municipal do Maracatu Rural em Pernambuco, com a aprovação da Lei 19.188, reconhecendo a importância dessa expressão cultural. A iniciativa visa não apenas celebrar, mas também garantir a preservação e o fortalecimento das tradições do Maracatu Rural, que é uma parte fundamental do carnaval e da cultura popular do estado.


Foto: Acervo Pessoal/Christiano Freitas

Maracatu de Baque Virado

O Maracatu de Baque Virado é marcado pela batida dos tambores, que é mais pesada e profunda, evocando os sons da ancestralidade africana. De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), musicalmente “Os maracatuzeiros denominam de batuque o corpo orquestral ou o conjunto percussivo (composto por alfaias, gonguê, caixas de guerra e taróis, mineiros ou ganzás), que se define pela reunião dos batuqueiros que fazem e executam os baques de maracatu acompanhados pelas toadas sob a regência de um mestre batuqueiro.”

Embora as organizações de Maracatu Nação possam variar em sua estrutura e práticas de acordo com a tradição de cada grupo, o que as une é a ideia de preservar as tradições afro-brasileiras e a ligação com a religiosidade e as coroações de reis africanos. Segundo Karen Aguiar, historiadora e batuqueira-regente do grupo Maracatu Leão Coroado, “em linhas gerais, o maracatu nação se origina das comunidades negras periféricas escravizadas e/ou em processo de libertação como celebração de tradições afrodescendentes e ligação com as coroações de reis do Congo. E a organização é realizada de acordo com as tradições de cada Nação.”

As Nações de Maracatu, como o Leão Coroado, têm uma organização própria, baseada em um sistema hierárquico tradicional que se mantém vivo por meio da prática e do compromisso com a cultura. Essa organização pode incluir personagens, além dos músicos e dançarinos que compõem o cortejo. Cada Nação tem suas características próprias, mas todas compartilham o compromisso com a preservação de uma cultura rica e de resistência. 

O Maracatu Nação exerce um papel fundamental na afirmação da identidade cultural de seus integrantes. Ele vai além de uma simples manifestação artística; é um meio de reconhecimento e união entre pessoas que compartilham a mesma herança cultural. O maracatu proporciona uma forma de educação afrocentrada, onde os componentes do grupo, muitas vezes oriundos de comunidades periféricas, têm a oportunidade de cultivar e continuar tradições ancestrais, enquanto ressignificam e fortalecem suas próprias identidades.

O Leão Coroado ocupa um lugar de destaque dentro da história cultural de Pernambuco, criado em 1863, é o maracatu mais antigo do Brasil, que ainda está em atividade. O maracatu é um pilar da cultura popular pernambucana, que se entrelaça com o cenário político, social e cultural do estado. A identidade cultural pernambucana está intimamente ligada a grupos como o Leão Coroado, que ajudam a fortalecer a memória histórica e a continuar o legado das tradições afro-brasileiras.


Foto: Reprodução/Instagram @maracatuleaocoroado

Nesse sentido, o Maracatu também exerceu e exerce uma uma forte influência em muitos movimentos atrelados a musicalidade e cultura pernambucana, como o Manguebeat, de Chico Science, que “modernizou o passado” e transformou-se em um símbolo identitário recifense, por meio do próprio manifesto “Caranguejos com Cérebro” e músicas, como “Maracatu Atômico” e “Da Lama ao Caos”. Além disso, entre outros artistas influenciados pelo maracatu, que podem ser citados, há Mestre Ambrósio, com músicas como “Se Zé Limeira Sambasse Maracatu”, Nação Zumbi e, até mesmo bandas mais recentes, como Afroito, com “Tomara”, por exemplo.

Luta Constante por Reconhecimento

Mesmo que o maracatu tenha recebido conquistas ao longo do tempo e influenciado diversos movimentos musicais, ele continua a enfrentar questões associadas ao seu reconhecimento e valorização. Como destacou Marília Gabriela, Gaby, filha de Manoel Coelho Souza, fundador do grupo Maracatu Leão de Ouro, o maracatu é uma "cultura de luta, que vem se perpetuando por mais de cem anos, lutando para conquistar espaço dentro da sociedade”. 


Foto: Acervo pessoal/Marília Gabriela

Christiano também abordou essa resistência ao afirmar que o maracatu é "a própria resistência da cultura popular; é uma luta árdua; se manter erguido não é fácil, nossa luta é ancestral, cultural e religiosa". Essas palavras demonstram a persistente luta enfrentada por essa manifestação cultural. Nesse sentido, ocorreu recentemente uma cerimônia que marcou a oficialização do Dia Nacional do Maracatu, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A data, que agora integra o calendário cultural do Brasil, visa reconhecer a importância do maracatu como uma expressão da cultura popular brasileira, mas também gerou debates sobre a representação das comunidades que preservam essa tradição. A sanção aconteceu em Brasília, com a presença de autoridades políticas como a Ministra da Cultura Margareth Menezes, a Ministra de Ciência e Tecnologia Luciana Santos, e o senador Humberto Costa, entre outros.

Foto: Ricardo Stuckert/Secom-PR 

Apesar da relevância do momento, o evento gerou controvérsias pela ausência dos representantes do Maracatu Nação, em geral. Em um texto publicado em seu perfil no Instagram, a historiadora e batuqueira regente do Maracatu Nação Leão Coroado, Karen Aguiar, questionou a falta de representatividade das comunidades no evento. Algo que seria, como citou um comentário desse post, uma: “institucionalização sem representatividade”. Karen pontuou: "O presidente Lula oficializou a assinatura da lei na presença de ministros e senadores, mas, e as nações do maracatu?"

Segundo Aguiar, não houve convite nem qualquer tipo de comunicação com as Nações do maracatu, que são fundamentais para manter essa tradição viva. Afinal, a própria instituição da data 1° de Agosto como Dia Nacional do Maracatu, ocorreu em homenagem a Luiz de França, mestre do Maracatu de que Karen faz parte. Nesse sentido, não contataram o próprio grupo ao qual a sanção dessa lei fez referência. 

Essa falha, na visão de Karen, não se limita a um erro qualquer, mas reflete uma desconexão entre as políticas culturais oficiais e as comunidades que praticam o maracatu no dia a dia. A historiadora também destacou o desrespeito em relação aos símbolos e instrumentos dessa tradição, mencionando que, enquanto instrumentos típicos do maracatu, como agbês, gonguês e ganzás estavam presentes no evento, nenhum deles foi levado para a mesa junto com a rabeca, um instrumento associado principalmente à música nordestina, mas que não é representativo do maracatu de nação ou de baque solto.

Em sua crítica, Karen frisou que a presença de um grupo de cavalo-marinho e brincantes locais de Brasília, embora não devesse ser desmerecida, indicou a falta de sensibilidade dos organizadores do evento. "Não é pelos brincantes que se dispuseram a ir, mas pelos governantes e seus cerimonialistas que nem se deram ao trabalho de pesquisar sobre as tradições do maracatu nação e maracatu de baque solto", destacou Aguiar.

A oficialização do Dia Nacional do Maracatu foi, sem dúvida, uma grande conquista, mas Karen Aguiar aponta que o verdadeiro reconhecimento do maracatu depende de uma mudança mais profunda na maneira como ele é tratado pelas autoridades culturais e políticas. A cultura do maracatu precisa ser mais do que um símbolo para ser exibido em um evento, mas deve ser reconhecida e respeitada como uma prática cultural viva. Para que isso aconteça, é necessário que as comunidades que mantêm o maracatu de fato no seu cotidiano sejam incluídas nas decisões sobre sua preservação e representação.

O maracatu, em sua totalidade, não pode ser reduzido a um espetáculo midiático ou uma data comemorativa. Como afirmaram Gaby e Christiano à TimeZ, e como Karen Aguiar também destaca em sua reflexão, o maracatu é uma cultura de resistência, que se mantém erguida graças ao esforço contínuo de suas comunidades. Para que esse patrimônio seja preservado de forma legítima, é fundamental que as vozes do maracatu sejam ouvidas, seus símbolos celebrados e suas práticas respeitadas como parte essencial da identidade cultural do Brasil.

Conheça um pouco mais sobre a história dos grupos entrevistados, contada por seus próprios integrantes.


  1. Pavão Dourado de Tracunhaém 

  • Antes de existir, o presidente do grupo, Juraciel e o diretor, Pedrão faziam parte do maracatu mais antigo de Tracunhaém, o Maracatu Estrela. Segundo Cristiano: “por motivo de força maior eles resolveram não fazer mais parte da Estrela. Isso em 1997, no ano seguinte, nosso presidente chamou nosso diretor para formar um grupo próprio e, assim, surgiu o Maracatu Pavão Dourado de Tracunhaém”. Atualmente, o grupo é um símbolo de coletividade e esperança, como citou Cristiano: “quantas crianças que o maracatu proporcionou uma vida diferente. Garotos que não tinham perspectiva e hoje são artesãos bordadores, confeccionando fantasias. Meninos e meninas que têm orgulho em se apresentar na sua escola como integrantes do Maracatu de Baque Solto”.

  1. Leão De Ouro

  • Segundo Gaby: “O Maracatu Leão de Ouro surgiu em 16 de Abril de 1995, pelo meu pai Manoel Coelho de Souza (conhecido por Manoel Pula-Pula)”, na época em que: “o mesmo fazia parte de outro maracatu na cidade de Paudalho. A partir daí ele resolveu criar o seu próprio maracatu, junto com alguns amigos da época. Hoje, o maracatu está sob minha responsabilidade. Sendo mulher negra, me sinto muito orgulhosa em poder fazer parte dessa cultura que é tão rica para nossa sociedade. O maracatu hoje tem uma estabilidade forte no estado de Pernambuco. São muitos grupos formados que, através dos brincantes, mostram sua beleza”.

  1. Leão Coroado

  • Sendo o grupo de Maracatu mais antigo do Brasil, a história do maracatu Leão Coroado, segundo Karen Aguiar: “tem o 08/12/1863 como data oficial de fundação, contudo sabemos que o início do coletivo é de antes dessa data oficializada. Não sabemos o que levou os fundadores a criarem este grupo especificamente, mas o maracatu nação se origina das comunidades negras periféricas escravizadas e/ou em processo de libertação como celebração de tradições afrodescendentes e ligação com as coroações de reis do Congo.”

Escrito por

Lívia Isidio Coelho

liviaisidio@revistatimez.com

@coeisili__

A Revista Timez - De jovens para jovens - é uma revista jornalística que fala sobre arte, cultura, entretenimento, política, cotidiano e esportes. Nosso objetivo é trazer informação para o público principalmente da geração Z.

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