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ARTE E CULTURA

20/11/2024

Vozes além do eixo: O teatro musical democrático em Recife

Projetos sociais que democratizam e revelam novos talentos do teatro musical fora do eixo Rio - São Paulo

Acervo pessoal/Luciana Alves

O teatro musical no Brasil iniciou no século XIX, no Rio de Janeiro, com o chamado “teatro de revista”. Com produções inspiradas no modo francês teatral, o gênero se difundiu rapidamente trazendo os modos e costumes brasileiros de modo satírico e irônico, se adaptando com o tempo a outras formas musicais,como o jazz vindo dos Estados Unidos nos anos de 1920. 

 As produções, entretanto, tiveram uma certa decadência em virtude da censura da ditadura militar. Esse declínio não calou totalmente o gênero, como é visto nas peças de Chico Buarque (como “Roda Viva” de 1968 e “Ópera do Malandro” de 1978), mas obrigou o teatro a se adaptar para uma forma estadunidense vinda da Broadway nova-iorquina e também do West End londrino. Assim, a primeira montagem de “My Fair Lady” em português foi realizada  em 1962, na capital carioca, e diversas outras peças começaram a ser apresentadas se estendendo também a São Paulo, crescendo cada vez mais em público. Entretanto, enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra essas grandes produções foram se espalhando no território com grandes turnês, no Brasil, elas continuaram a se concentrar no eixo Rio-São Paulo. 

Carlos Cavalcanti, presidente do Instituto Artium de Cultura (responsável por trazer produções como Wicked, Matilda, Evita Open Air, e outros musicais), expressou, por meio das redes sociais, o porquê dessas peças não saírem dessas capitais do Sudeste: “Se no Rio já é difícil, em outras capitais ou cidades brasileiras é impossível. Viajar com mais de uma centena de pessoas é absurdo em logística e custos. [...] Não há perspectiva nenhuma de bilheteria suficiente ou de patrocínio para bancarem essa conta”, explicou.

Essa fala mostra como ainda não há perspectiva para uma maior abrangência de grandes peças no território brasileiro, mas será que realmente já não existe uma cena de teatro musical em cidades como Recife? E se existe, por que não tem tanta visibilidade? 

Uma chance para voar 

O L.A. Espaço Artístico e Cultural é um projeto localizado em Candeias, na cidade do Jaboatão dos Guararapes, na Grande Recife, é um dos exemplos da existência dessa forma teatral em Pernambuco. Fundado por , a iniciativa atende crianças, jovens e adultos que desejam se aprofundar no teatro, na dança e no canto. Em entrevista para a Revista Timez, Luciana comentou sobre um dos motivos para essa falta de desinteresse não só de investimento público, mas também das pessoas que podem frequentar o teatro. 

“Eu faço teatro aqui há mais de vinte anos. Então, essa questão de não ir ao teatro, não prestigiar… Eu já me apresentei para duas pessoas na plateia.[...] Se a gente vai para o Rio, a gente vai pra São Paulo, a gente tem pessoas que não conseguem comprar ingresso porque estão lotados os dias, né?”


Foto: Divulgação/Fabiano J. Alves

Sem a participação de um público que seja fiel ao teatro, a dificuldade de montar produções fica cada vez mais difícil, principalmente com um sucateamento dos palcos locais.

Essa falta de público que consuma o teatro também está atrelado a uma elitização da ida aos espetáculos, com os altos preços de ingressos consequentes dos valores necessários para a montagem das peças que precisam ser arcados. Algo que deveria ser democratizado por investimentos das prefeituras já que, em 2023, de acordo com o portal da transparência da Prefeitura do Recife, a cidade investiu R$ 13,5 milhões para serem divididos entre todas as formas de arte, valor menor que os R$ 17 milhões disponibilizados por São Paulo para produções de dança e teatro. Além disso, cidades como a capital paulista e o Rio de Janeiro ainda recebem recursos privados, como é o caso de alguns bancos. Essa realidade também se traduz para a inclusão dos atores e atrizes do teatro, o que mostra um outro lado do projeto de Luciana.  

“Por isso que eu decidi abrir o projeto não só para formar atores, mas também para trazer a comunidade para essa realidade. Então a gente tem o projeto L.A. Solidária que traz crianças e adolescentes e dá chance pra quebrar exatamente essa elitização, e aí eles têm acesso a fazer arte e a consumir também, porque a gente vai pro teatro sem que eles precisem comprar o ingresso” 

O projeto abre oportunidades para que esses jovens tenham contato com a arte como forma de entretenimento, mas também para a formação da personalidade, mesmo que não tenham condições para pagar essas aulas. 


Foto: Divulgação/Fabiano J. Alves

Essa democratização do teatro praticada pela L.A. se reflete na vida dos alunos de Luciana. Marília tem 12 anos e faz parte do projeto há um ano. Em entrevista, ela fala que apesar de já ter contato com a dança antes, em ambiente escolar, não tinha oportunidades de se aprofundar na arte como teve no espaço artístico. 

“Começou a aparecer várias oportunidades no teatro musical, da dança também que eu comecei a explorar vários tipos de dança que eu não tinha muito recurso, eu não tinha onde (aprender)” 

Essa fala de Marília revela o quão importantes são espaços democráticos para o ensino da arte na construção de futuros artistas do teatro musical, que engloba tanto a dança como o canto e a atuação. Com essa participação, não só é influenciada a vivência das crianças e jovens, mas também de suas famílias, que passam a ser envolvidas pelo teatro e pela maior desenvoltura dos pequenos. Assim, criando um senso de comunidade no qual todos se unem em prol do espetáculo e da arte como é dito por Emanuelle, mãe das alunas Thamires e Jamile:  “Todo mundo é muito igual, não tem essa ideia da diferença social, todo mundo é muito junto, sabe? Se respeitando tanto quanto o ser, também como uma atriz, dançarino, cantor, onde cada um se venha se descobrindo.”  

Toda essa movimentação do teatro ultrapassa a vida profissional/artística dessas crianças, influenciando também suas vidas pessoais. A arte se torna elemento essencial para o desenvolvimento da fala e perda da timidez, com elas se sentindo mais livres para se expressarem e serem quem elas são, ajudando também na extensão da criatividade. Maria Luiza, de 13 anos, participa desde o início do projeto nos espetáculos, indo em contracorrente da sua família que não tinha tanto envolvimento com a arte. Ela relata como foi sua primeira vez nos palcos e como mudou sua forma de se ver no mundo. 

“Foi uma virada de chave pra mim porque eu era muito tímida, é sério, eu me pareço outra pessoa agora”, confessou 

Falas como a de Maria Luiza mostram como a arte muda a forma da pessoa de se expressar e o quão importante é essa consciência desde mais novo. Essa nova forma de manifestar a personalidade é sentida por cada criança e jovem de forma diferente, já que cada um passa por uma jornada diferente para se encontrar na arte. 

Essa integração das crianças no teatro musical ainda é muito elitizada, com escolas de teatro com preços que não são acessíveis a todos, barrando muitos talentos de entrarem nesse mundo e se desenvolverem como atores. A falta de uma cena mais aberta para o público, como evidenciada pela concentração das grandes produções no Sudeste, contribui para esse fechamento da área. Projetos como o de Luciana Alves, que são direcionados para as comunidades com menos acessibilidade, se mostram importantes para a quebra dessa tradição. A criadora do projeto se mostra como um elemento de mudança social na vida desses jovens, dando as oportunidades que na maioria das vezes são difíceis de se ter em ambientes não elitizados.

“Eu vim de lá e eu tive a oportunidade, e hoje eu estou transmitindo a arte, ensinando, dirigindo. Por que é só para crianças que podem pagar, por quê?

Essa concentração protegida por Carlos Cavalcanti anteriormente se torna ultrapassada e elitista, fazendo com que o teatro musical no Brasil se torne uma arte de poucos para poucos. O território brasileiro possui diversos profissionais qualificados e prontos para transmitir essa manifestação em todos os locais, mas é necessário um engajamento do público e das instituições que patrocinam essas produções. Tia Lu, como é chamada pelos seus alunos, vê todas essas dificuldades, mas também destaca como é importante ver o crescimento de seus “elenco”: “Eu acho que a forma como eles se desenvolveram, acho que é a maior mudança. É deles entrarem um por um, cada um do seu jeitinho.” 

O teatro musical no Brasil existe fora do eixo Rio-São Paulo e precisa ser evidenciado como forma de  entretenimento, mas também como forma de mudança da sociedade e da vida de diversas crianças e jovens artistas. 

Escrito por

Arthur Andrade

arthurandrade@revistatimez.com

@uhtraart

A Revista Timez - De jovens para jovens - é uma revista jornalística que fala sobre arte, cultura, entretenimento, política, cotidiano e esportes. Nosso objetivo é trazer informação para o público principalmente da geração Z.

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